sexta-feira, 22 de abril de 2011

POVOS DOS ANDES CENTRAIS

                                    

Pré-história


              As datas mais antigas dos Andes centrais estão por volta de 12.000 a.C. Os vestígios dos primeiros povoadores não ficam abaixo dos 2.500 metros de altitude (Ossio 1992: 31). Há uma tendência dos estudiosos atuais em admitir uma complexificação das sociedades andinas antes mesmo de disporem de agricultura. As primeiras plantas cultivadas a chegarem ao Peru foram as cabaças, entre 3.600 e 2.500 a.C. O algodão se cultiva por volta de 3.600 a.C. (Ossio 1992: 38). A domesticação de camélidas se dá entre 4.000 e 3.500 a.C. (Ossio 1992: 38).

              Depois desses inícios, vêm os períodos mais "clássicos", cuja distinção se iniciou com Julio de Tello. Aproveitando o resumo de Ossio (1992: 23-73), e acrescentando alguns acontecimentos mais conhecidos da história "universal", podemos fazer um quadro de correspondências cronológicas entre a região andina e a Europa.


Línguas


              As línguas indígenas mais importantes nesta vasta área são o quíchua e o aimara. Há, porém, falantes de línguas mais localizadas, como o jacáru e o cáuqui, ouvidas nas serranias próximas de Lima e, tal como o aimara, pertencentes à família jáqui. E ainda existe a língua puquina, falada pelos urus. O aimara e as outras duas línguas da mesma família parecem ter tido uma extensão geográfica muito maior antes da expansão do império incaico, sendo que o primeiro chegou até a ser língua comercial  no período Uári. Posteriormente perdeu terreno para o quíchua, que continuou a se expandir mesmo depois da queda do império inca. A língua dos urus, por sua vez, cedeu espaço ao aimara na sua expansão pré-colombiana para o sul.

              Quanto ao quíchua, conforme mapa e esquema apresentado no livro de Ossio (1992: 244 e 248), nota-se que o dialeto falado em Cusco é também de Ayacucho (Peru), da Bolívia e da Argentina; o dialeto mais próximo deste é usado nos departamentos peruanos de Amazonas, San Martín e Loreto e ainda no Equador e na Colômbia. Ou seja, o quíchua falado no centro do império inca também era o dos seus extremos. Outros ramos desse Quíchua II são falados em lugares cujos nomes não são familiares a um não-peruano (logo, não os sabemos localizar bem), a não ser Cajamarca, que também não ficava no centro do império. Por sua vez, os dialetos do Quíchua I são falados nos vales serranos mais próximos de Lima (Callejón de Huaylas, Mantaro). Infelizmente o autor não integra a informação que oferece nos citados mapa e esquema com a enumeração de grupos étnicos não-andinos (Ossio 1992: 245-246), onde estão indicados outros grupos falantes de quíchua.


Os pisos ecológicos


              Um dos aspectos importantes a considerar é que a presença da cordilheira dos Andes propicia a existência de diferentes climas, e possibilidades de exploração de distintos ambientes, conforme a altitude. Por exemplo, na fronteira Peru-Bolívia, o limite inferior do gelo fica a 5.200 metros e o limite superior da possibilidade de agricultura está a 4.000 metros (Palacios Ríos, org., 1988: 134-135). Como os Andes têm uma orientação geral norte-sul, isso significa que tais limites crescem em altitude conforme decresce a latitude. Por exemplo, no noroeste da Argentina, a altitude de 3.200 metros já marca a zona acima da qual escasseiam as possibilidades agrícolas (Madrazo 1991: 193). Distinguem-se assim certas faixas de altitude (ou pisos) com denominações especiais que, parece, variam regionalmente. Desse modo, o que se chama "puna" no Peru, na Bolívia e na Argentina, área de pastoreio e de caça, imprópria à agricultura, seria o mesmo que na Colômbia se chama de "páramo". Salvo engano, a puna, além da altitude, também se caracteriza por ser um planalto.

              John Murra, através do estudo de documentos históricos, foi o primeiro a chamar a atenção para o fato de que, desde a época pré-incaica, as comunidades dos Andes centrais aproveitavam as possibilidades dos vários pisos ecológicos através da criação de colônias em cada um deles. As plantações de coca ficavam nos níveis mais baixos; o milho, um pouco mais acima; a batata(-"inglesa"), junto aos limites superiores das possibilidades agrícolas; acima deste, o pastoreio de lhamas e alpacas. Teriam sido as disposições do primeiro vice‑rei espanhol, Toledo, que haveriam de impedir essa maneira de explorar os vários pisos, sobretudo com as reduções, isto é, a concentração da população indígena em comunidades maiores, de modo a facilitar a catequese, a administração e o recrutamento dos índios para o trabalho. Mas, a julgar por outros autores, os indígenas teriam encontrado formas, baseados nas relações pessoais e de parentesco, de, pelo menos em alguns lugares, continuarem a se valer dos vários pisos.




Castas?


              Por um lado, o governo colonial imobilizou os índios nas comunidades sujeitas ou não a encomiendas, incluídas ou não em haciendas, que deviam trabalho gratuito para o encomendero, o hacendado ou a administração pública. Por outro lado favoreceu sua dispersão através da obrigação da mita, o trabalho temporário nas minas de prata Potosi ou nas jazidas de mercúrio de Huancavelica. O descontrole provocado pela queda do império inca também levou ao crescimento do número de yanas ou yanaconas, índios rurais e urbanos desvinculados das comunidades e das encomiendas e não obrigados à mita.

              É curioso notar como certas instituições pré-incaicas são reformuladas pelos incas, e as incaicas, por sua vez, pelos espanhóis. Assim, as populações ditas mitimas, transferidas pelos incas, lembram as colônias das antigas comunidades; o trabalho temporário feito fora das terras agrícolas familiares para o governo inca, chamado mita (serviço militar, abertura de estradas, construção de edifícios públicos), se transforma no trabalho nas minas do período espanhol; os yanas, dedicados a trabalhos para a administração incaica e desvinculados permanentemente das fainas agrícolas familiares, transformam-se na população indígena colonial desligada das comunidades de origem.

              E assim foi-se formando uma sociedade algo semelhante às de castas, com a) uma camada superior constituída de espanhóis, "crédulos" (descendentes de espanhóis nascidos na América) e, até as rebeliões indígenas do final do século XVIII, pela nobreza indígena, e que, após a independência dos novos estados americanos, se reduziu aos "crédulos", conhecidos como mistis pelos índios; b) uma camada de "mestizos" ou "chollos"; e c) uma camada, a mais inferior, de índios, que a si mesmos preferem chamar de "naturales". Tais camadas não se distinguiriam tanto pela composição racial, mas principalmente por suas atividades: os mistis como proprietários e grandes funcionários; os índios como camponeses; os mestiços como comerciantes entre as outras duas camadas. Cada camada estaria muito atenta contra a subida de indivíduos da imediatamente inferior. O próprio vestuário era usado como um indicador de pertencimento a uma delas. Quando os índios da comunidade de Sicaya abandonaram seu vestuário tradicional, corriam o risco de serem desnudados nas ruas, principalmente as mulheres, pelos mestiços (Arguedas 1977: 122).

              A independência dos países americanos pouco ou nada representou para os índios andinos. O trabalho gratuito e o imposto indígena continuou e foi a principal fonte de receita dos governos até meados do século XIX, quando a exportação de minerais ou de guano passou a contribuição indígena para segundo plano. Mas aí surge um novo problema para os índios, que é a expansão das haciendas sobre as terras das suas comunidades, favorecida por uma ideologia racista e uma legislação voltada a esse propósito. Na Bolívia os índios só tiveram o reconhecimento de seu direito à terra a partir da revolução de 9 de abril de 1952, que foi seguida da reforma agrária de 1953. Os índios peruanos tiveram de esperar mais tempo, pelo movimento militar de 1968, que levou à reforma agrária de 1970.





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